O uso de inteligência artificial (IA) em decisões judiciais ganhou um novo capítulo no Brasil. Um advogado apresentou recurso à segunda instância, pedindo a anulação de uma sentença emitida pela 4ª Vara Cível de Osasco, alegando que ela teria sido gerada por IA, o que infringiria o princípio do juiz natural. A argumentação foi baseada em uma análise feita pelo ChatGPT, que apontou uma “probabilidade média a grande” de que o texto tivesse sido produzido por uma máquina.
O Caso da Sentença e o ChatGPT
O advogado submeteu a sentença desfavorável à sua cliente ao ChatGPT, que analisou a estrutura, linguagem e conteúdo técnico do texto. O chatbot indicou que o nível de formalidade e precisão sugeria uma criação potencialmente automatizada. A sentença em questão envolvia um processo de embargos à execução, no qual a cliente do advogado buscava desbloquear contas bancárias e revisar um contrato bancário com o Bradesco.
Segundo o ChatGPT, a sentença apresentava características comuns em textos gerados por IA, como:
- Estrutura técnica precisa com citações legais.
- Uso extenso de jurisprudência e normativas.
- Linguagem jurídica formal e impessoal.
Com base nisso, o advogado sustentou que a decisão violava princípios fundamentais e possuía viés algorítmico, o que poderia ter favorecido o banco envolvido no caso.
A Resposta do Tribunal
O relator do caso, desembargador Carlos Ortiz Gomes, classificou a acusação como “grave”, mas destacou a falta de provas concretas para sustentar o argumento. Segundo ele, apenas a análise do ChatGPT não é suficiente para comprovar que a sentença foi elaborada por IA, especialmente porque o próprio chatbot afirmou que sua análise não garante certeza absoluta.
Ortiz Gomes também destacou que o uso de IA como ferramenta auxiliar no sistema judiciário brasileiro é amplamente debatido e aceito, sendo adotado por diversos tribunais desde 2020. Ele pontuou que “sem indícios reais de uso antiético da tecnologia, como a citação de jurisprudência inexistente, a acusação carece de fundamento.”
Decisão Final e Repercussões
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) rejeitou o recurso, mantendo a sentença original. Além disso, o advogado foi condenado a pagar honorários advocatícios sucumbenciais majorados para 15%.
Após o julgamento, o advogado informou que representou o relator na OAB por, segundo ele, violar suas prerrogativas profissionais ao limitar a sustentação oral de sua tese.
O Debate Ético e Jurídico Sobre IA no Judiciário
Esse caso acendeu discussões sobre o uso de inteligência artificial no sistema judiciário. Especialistas apontam que, embora a IA possa ser uma ferramenta poderosa para agilizar processos e fornecer suporte técnico, é crucial garantir que ela não substitua o julgamento humano ou prejudique a imparcialidade das decisões.
O episódio também destaca a necessidade de regulamentação mais clara sobre o uso de IA em tribunais. Transparência sobre como essas ferramentas são empregadas é essencial para evitar acusações como a apresentada nesse caso e proteger a confiança no sistema judicial.